Esquema flagrado em escritório envolve despachantes e até servidora de cartório
Hoje, véspera da votação que decide a privatização dos cartórios, o CORREIO inicia nova série de reportagens com flagrantes que revelam envolvimento de servidores em esquema de propinas
Precisa de uma procuração para ontem? Quer um registro com rapidez? Necessita urgente de uma certidão? O prazo do cartório é muito extenso? Você já está entrando em desespero? Seus problemas acabaram. Procure Neto, na sala 62. Ele vai te levar a um sujeito chamado Élton, que trabalha para Elodyr. Com a ajuda dos três, depois de desembolsar alguns reais, sua documentação sai em menos de 24 horas.
Longe se ser um serviço “tabajara”, a situação existe e acontece todos os dias no Edifício Fundação Politécnica, na avenida Sete de Setembro, em Salvador. Com uma microcâmera, o CORREIO filmou o esquema de compra e venda de serviços feito através de um homem identificado como Moacir Valença Cavalcanti Neto, conhecido como Neto.
Ele tem a ajuda de um despachante chamado Élton, com acesso livre no cartório do 3º Ofício de Imóveis. Élton, por sua vez, tem a contribuição da escrevente do cartório, Maria Elodyr da Silva.
Espécie de intermediário, Neto usa um espaço no edifício para o que ele chama de “assessoria jurídica”. Mas, entre outras coisas, também agiliza o que for preciso nas unidades de imóveis que funcionam quatro andares abaixo, no mesmo prédio. Basta pagar. Não se sabe como se dá a divisão de valores entre os três envolvidos. Certo é que o documento sai com rapidez impressionante.
Aconteceu com uma usuária acompanhada pela reportagem. Necessitando com urgência registrar um terreno no 3º Ofício, a mulher ficou sem saída depois que lhe foi estipulado prazo oficial de 30 dias para o documento ficar pronto.
É quando surge o nome de Neto. Muitos servidores dos cartórios da Politécnica conhecem o rapaz. Depois de alguma insistência, um funcionário sopra. “Ele conhece o pessoal. É no sexto andar, sala 62”.
A usuária desembolsou R$ 140 “por fora” para Neto. Em menos de 24 horas, o documento estava pronto. “Paguei porque realmente tive necessidade extrema”, diz ela.
Sem DAJ
Com Neto, em alguns casos, sequer é preciso pagar o Documento de Arrecadação Judiciária, o DAJ. Na chegada, uma mulher identificada como Bruna tranqüiliza o usuário sem saber que é gravada. “Não precisa de DAJ. A gente pega direto com o oficial”, diz Bruna, referindo-se ao titular do 3º Ofício.
No dia prometido para a entrega dos documentos, o próprio Neto, ao dar ordens a um funcionário, solta o nome de outro homem que também faz parte do esquema. “Pega essa escritura na mão de ‘Élton’, no 3º Ofício”. Élton, apesar de tratado como funcionário do cartório, é na verdade outro atravessador.
Balcão
Para flagrar Élton, a pedido do CORREIO, a usuária voltou aos cartórios. Queria uma certidão. Para entregar o documento, uma funcionária do 3º Ofício pede 15 dias. “É o que eu posso dizer aqui no balcão”.
A saída é novamente Neto. Na sala 62, a certidão ficaria por R$ 30. A agilidade é uma pechincha, já que o serviço custa R$ 21,40. A explicação é o não pagamento do DAJ. O documento sairia no dia seguinte. “Se fosse no 2º Ofício saía no mesmo dia”, diz Bruna, mostrando que a influência de Neto é maior em determinados cartórios. Mais à vontade dessa vez, Neto sugere à usuária que procure diretamente Élton. “Você vai direto procurar Élton no 3º Ofício. Você vai dizer que fui eu que pedi. Fale com ele que ele entrega logo”.
A usuária encontra Élton na porta do cartório. Ao ouvir o nome de Neto, Élton é objetivo. “Você tem o número da matrícula?”. “Tenho. Mas você me entrega isso quando?”, pergunta a usuária. “Se você esperar, entrego agora mesmo”. “E quanto fica?”. “Fica R$ 50”. “Tá bom, vou ali no banco e volto”. Como a situação fora criada pela reportagem, a usuária não pagou.
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