Conto: Amor e ponto - Por Marina Cervini



Por Marina Cervini Lentini

Clara caminhava pela Avenida Paulista, e muitas indagações pairavam por sua mente. Fazia frio e era o dia dos namorados. Não tinha com quem comemorar, além de com ela própria e uma vontade imensa de tomar um café quente.

Dirigiu-se à cafeteria mais próxima. Entrou e sentou-se na mesa próxima à grande janela de vidro, que tinha vista para a avenida movimentada. O céu estava acinzentado e Clara podia ver as pessoas caminharem com seus agasalhos pesados, botas e cachecóis.

Chamou a atendente e pediu o seu café, que logo foi servido. Abriu um livro e começou a folheá-lo sem muita vontade, mas apenas fingir que fazia alguma coisa de mais útil do que somente tomar café e ficar perdida em divagações mentais.

Tudo estava bastante confuso; não sabia ao certo o que pensar sobre os acontecimentos dos últimos dias. Como uma história de amor podia simplesmente ter se transformado em um filme de terror repleto de cenas absurdas e doentias? O seu corpo ainda tremia sob as recordações. Sentia em seus braços o impacto dos apertões e o seu coração doía ao reviver as inúmeras palavras que feriram a sua alma e a sua estima.

Marcelo parecia ser o homem com quem passaria o resto de seus dias. Porém, revelava-se o oposto de tudo aquilo que havia sonhado. Em uma noite após uma bebedeira, ele tentou agarrá-la à força; no entanto, sem sentir-se bem, ela o impediu. Um empurrão. Uma queda violenta no chão. Vários puxões de cabelo e um segurar dolorido de braços. Palavras grosseiras e um virar de costas terminal. Celular e contatos de redes sociais bloqueados. Pronto. Uma relação de quase três anos chegava ao fim.

Naquele momento, Clara perguntava-se o quanto seria capaz de amar novamente. Porém, não conseguiria imaginar a sua vida dividida com mais ninguém. Sentia-se em uma hibernação de sentimentos e em estado invernal de emoções.

Um casal sentou-se em uma mesa próxima. A princípio, conversavam sobre assuntos corriqueiros; porém, o decorrer da conversa dirigiu-se para algo que Clara jamais imaginou que um dia escutaria. Curiosa, e ao mesmo tempo apreensiva, fingiu ler para evitar ser flagrada em atenção iminente às palavras declaradas por aquelas pessoas que aparentavam ser um casal normal, como tantos outros existentes por aí... naquele dia dos namorados.

Sem ser notada, Clara ouviu a mulher desabafar. Dizia que estava com medo e pedia para que ele pensasse bem se estavam certos. Ele, parecendo não escutar, detalhava o que pretendia e defendia os motivos. Ela agitava-se na cadeira e tentava convencê-lo de que existiam outras soluções; todavia, era como se falasse para um bloco de gelo. Então, sentindo-se ignorada e rendida, calou-se. Repentinamente os dois se levantaram, foram para o caixa, pagaram pelos dois cafés e saíram.

O coração de Clara palpitava forte e não sabia muito bem o que fazer e o quanto seria responsável pela informação que ouvira. Não sabia se saia e tentava impedir o casal ou se simplesmente fingia que não havia escutado nada. A ideia de omissão a perturbava, porém até onde meter-se na vida alheia seria permitido? E se tudo que escutou não passasse de uma simples mentira ou encenação. Mas, a realidade das expressões dos dois deixava óbvio que não se tratava de uma brincadeira.
Fazia pouco tempo que o casal havia saído, se pagasse a conta imediatamente ainda podia alcançá-los e tentar dissuadi-los do que planejavam. Fez menção de levantar-se, porém desistiu. Já tinha muito trabalho na reconstrução de si mesma para se preocupar com os outros. No entanto, a culpa começou a inquietá-la e passou a questionar-se o quanto egoísta estava sendo.

Agitou-se, e por medo de uma punição que poderia vir sabe-se lá de onde ocasionada por sua falta de atitude, impulsivamente levantou-se, pagou rapidamente a conta e dirigiu-se para a avenida. Porém, ao colocar os pés na calçada, ouviu dois fortes disparos, seguidos de gritos e um aglomerado de pessoas. Correu em direção ao burburinho e ao aproximar-se, viu estirados no chão o casal de namorados com as cabeças perfuradas por balas de prata.
Próximo aos corpos um bilhete que dizia:

“Chegamos ao ponto final de nosso amor.” 

Comentários

Postagens mais visitadas