Millôr Fernandes se foi e o Brasil ficou muito mais burro
"Viver é desenhar sem borracha". Foi esta frase de Millôr Fernandes a grande ficha que caiu para mim em um determinado momento de minha vida, a ponto de se tornar um de meus lemas favoritos: nunca me arrepender daquilo que fiz. E esta foi apenas uma das milhares de grandes sacadas que este mestre do humor fino, inteligente, sarcástico e atemporal proferiu ao longo da vida. Vida que se foi na noite de terça passada.
Não vou ficar aqui descrevendo o que Millôr significou para, no mínimo, duas gerações de leitores. Todo mundo que leu o que ele escreveu, desenhou e falou foi diretamente afetado por sua inteligência, perspicácia, fina ironia e, principalmente, pela maneira como ele nos ensinou a pensar.
É, pensar. É um ato que cada vez mais cai em desuso para uma imensa parcela do povo brasileiro, que a cada minuto se joga um pouco mais dentro do precipício da ignorância e da futilidade. E eu aposto que Millôr se foi carregando consigo uma tristeza por ver que, intelectualmente, as próximas gerações de brasileiros devem voltar a viver em árvores, tamanha é a velocidade com que a capacidade de raciocínio e compreensão abandona o cérebro desta gente, como ratos em um naufrágio.
Foi Millôr que me ensinou que não devemos nos importar com as pessoas que nos olham de soslaio, como se a defesa de uma opinião fosse um sinal de arrogância. Em tempos em que as pessoas abandonam suas convicções como se fossem besouros úmidos saindo de um casulo, ele era uma voz que recusava parceria com este tipo de gente. Tirar sarro de tudo e todos se transformou em arte a partir do momento em que ele decidiu se manifestar pela primeira vez.
Millôr se foi e deixou para trás uma nação que pensa que "só devemos criticar quando podemos fazer melhor" e que qualquer pensamento contrário é "inveja do sucesso". Um país que pensa que colocar silicone nos peitos torna qualquer mulher automaticamente mais gostosa e que "sucesso" significa aparecer na TV a qualquer custo, não importa fazendo o quê. Se o Brasil "pensa" assim é porque não entendeu nada daquilo que Millôr passou a vida inteira tentando nos mostrar.
Assim como aconteceu quando Paulo Francis se mandou deste planeta miserável, a morte de Millôr deixou o Brasil inteiro ainda mais burro.
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