Brasil já tem a maior bolha imobiliária da história da humanidade
A bolha mais violenta de todos os tempos foi a do Japão.
Entre 1985 e 1991 os preços dos imóveis subiram 180%, em média, nas
maiores cidades de lá. Quase uma triplicada em seis anos. Mas agora já
era. Deixamos os japoneses para trás: em São Paulo, foram precisamente
181% de aumento, em seis anos também – de 2008 para cá. No Rio, 225%.
Chupa, Japão.
Mas falando sério: tem quem ache que isso nem é uma bolha,
só um ajuste natural. Faz sentido, até: nenhum país que viveu uma bolha
para valer tinha acabado de sair de quase uma década de hiperinflação,
estagnação e sarneyzação – um limbo econômico que manteve o valor dos
nossos imóveis bem baixos em relação aos dos “países nobres”, só pra
usar o termo que o mercado imobliário aplica a bairros, e que entrou
para o léxico de todo mundo. Levando isso em conta, simplesmente
comparar nosso aumento percentual de hoje com o do Japão dos anos 80
acaba passando uma ideia imprecisa do que é uma bolha de gente grande.
E uma bolha de gente grande é o seguinte: quando o preço
dos imóveis no Japão estava só começando a inflar, em 1985, o metro
quadrado em Tóquio já custava R$ 28 mil, em valores de hoje. Bem mais
que o do Leblon (R$ 20 mil) ou o da Vila Nova Conceição, o mais caro de
São Paulo hoje (R$ 14 mil). Isso porque o Japão já tinha tido seus anos
de crescimento chinês, e o PIB continuava bombando na faixa de 4%, 5% ao
ano. De quebra, o país via sua renda média por habitante superar a dos
EUA, roçando no equivalente a R$ 5 mil por mês. Nisso, o yene começou a
valorizar demais. Quando a moeda valoriza, os exportadores se trumbicam,
já que os produtos que eles vendem acabam mais caros no exterior. O
governo, então, passou a imprimir cada vez mais yenes para ver se o
preço da moeda baixava. E forçou a entrada desse dinheiro novo na praça
mantendo os juros reais em 0% – o juro nominal era de 2,5%, mas a
inflação também. Então o juro para valer era zero mesmo. Com crédito
sobrando, o mercado imobiliário pegou fogo.
E seis anos depois o metro quadrado de Tóquio estava
batendo nos R$ 80 mil. R$ 4 milhões por qualquer biboca de 50 metros
quadrados… Isso na média. Os picos eram bem mais surreais. No distrito
de Ginza, a Oscar Freire deles, chegaram a negociar imóveis comerciais
por R$ 2 milhões o metro quadrado. O metro quadrado. Foi nessa
época que apareceu aquela lenda urbana, a de que o terreno do Palácio
Imperial valia mais do que todos os imóveis da Califórnia (o que devia
dar uns três Brasis daquela época…). Valia mesmo. Aí estava claro: os
preços japoneses tinham violado de vez a realidade. Imobiliária Salvador
Dalí.
Nossos preços de agora também têm flertado com o
surrealismo. Quando a gente aqui na Super fez uma matéria de capa sobre a
obesidade dos preços no Brasil, em abril de 2013, o apartamento mais
caro do país era uma cobertura quadriplex nos Jardins – um daqueles
palácios suspensos com 900 vagas na garagem, heliponto e o Chuck Norris
de segurança. Custava R$ 35 milhões. Agora o buraco está mais em cima:
Paula Lavigne colocou o apartamento em que ela morou com o Caetano, no
fofo edifício JK, em Ipanema, por R$ 37 milhões. Como a apto tem 750 m2,
dá R$ 49 mil o metro quadrado. E olha só: ainda assim é menos que o m2
da Tóquio dos anos 80. Também é bem menos que outro apartamento na orla
de Ipanema, anunciado neste ano por R$ 66 milhões. Este, de 600 m2,
acaba batendo a média do auge da bolha japonesa – já que custa quase R$
100 mil o metro quadrado. Recorde histórico, mas ainda uma migalha perto
dos preços mais altos do Japão de 30 anos atrás.
Quando saiu a notícia desse apartamento sendo vendido por
R$ 66 milhões, aliás, uma comparação recorrente foi dizer que “por esse
preço daria para comprar um apartamento perto do Hyde Park, em Londres”.
Big shit: a orla Ipanema-Leblon é, arguably, a região urbana
mais bonita do mundo – sem falar que o Rio tem um PIB bem razoável: US$
130 bilhões, igual ao de Hamburgo, na Alemanha.
Então, sim, uma parte dos nossos preços surreais é só uma
adequação à própria realidade. Mas isso não significa que a bolha não
exista.
E a maior evidência dela não está nos Jardins ou no Leblon.
Está no fato de o milhão de reais ter virado a unidade básica da
economia imobiliária. Para entender o que isso tem de ridículo, não
precisa levar em conta que a renda média no Brasil é de R$ 1.500. Todo
mundo sabe que a gente vive num regime quase escravocrata. O que
impressiona é que nem os senhores de escravos têm como lidar com esses
preços. A renda média do 1% mais rico do país é de R$ 18 mil. Um
contra-cheque confortável para os padrões nacionais, óbvio, mas mesmo
assim longe do suficiente para comprar nossas bibocas de mais de um
milhão de reais sem apertar o cinto. Aí não tem jeito: ou você é do
0,01% mais endinheirado ou está fora desse show do milhão. Pior: quem
mais ajuda a inflar nossa bolha é justamente parte do 0,01%:
investidores que compram imóveis de baciada para revender depois. Ok. É
do jogo: o mercado tem de ser livre mesmo. Mas, num país em que o
dinheiro grosso não está nem no topo da pirâmide, mas numa agulha
fincada nesse topo, esse jogo é mais arriscado do que parece. Trata-se
simplesmente de um mercado pequeno demais para sustentar a alta. E quem
diz não sou eu, mas o Robert Shiller, que ganhou o Nobel de economia
justamente por ter previsto a bolha imobiliária de 2006 nos EUA (uma
mais suave que aquela do Japão, mas que levaria à crise sistêmica de
2008): “Os preços só sobem. Todo mês”, Shiller disse recentemente, sobre
o nosso mercado imobiliário. “O que justifica isso, fora o puro
entusiasmo? Era exatamente o que eu dizia nos Estados Unidos em 2005.
Não quero criar pânico, mas não custa avisar.” Não, não custa.
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