As lições de “X-Men: Dias de um futuro esquecido”
Furos no roteiro, atuações exageradas, destruição
desnecessária, direção fora do tom. Se você estiver procurando uma lista
de erros de “X-Men: Dias de um futuro esquecido”, veio ao lugar errado.
Calma, não estou aqui pra dizer que o filme é perfeito. Mas posso
contar a minha história: saí do cinema com uma sensação que não
experimentava desde “Batman: Cavaleiro das Trevas”. Por isso, em vez de
colecionar defeitos, vou falar de qualidades. “X-Men: Dias de um futuro
esquecido” é diferente dos quadrinhos, é mais que um filme de
super-herói, é uma viagem no tempo incrível, é sobre sua vida, é o
melhor X-Men de todos. Mas, adianto: nada disso vai substituir a sua
experiência de assistir.
É diferente dos quadrinhos
Você leu a história original em que Kitty Pryde volta ao passado e
sempre sonhou em vê-la nas telas? Ótimo! Só não leva essas expectativas
para o cinema. É até meio bobo insistir no bê-a-bá, mas vamos lá: uma
coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
A missão do novo filme é bem diferente da que foi cumprida pelas
páginas da HQ nos anos 1980. A nova produção tem que servir de
continuação para uma trilogia que ajudou a moldar as adaptações de HQs
para o cinema; seguir a cronologia da saga solitária de um anti-herói
aclamado pelo público; e ainda criar uma continuação plausível para
“X-Men: Primeira classe”. Para fazer tudo isso ao mesmo tempo, era
preciso ajustar o foco para Wolverine e explorar a dinâmica entre
Professor X e Magneto. Não adiantava apoiar o filme todo nas costas da
Kitty, principalmente com as grandes diferenças entre a Kitty do cinema e
a dos quadrinhos.
Tem mutante superlegal fazendo ponta? Tem. Mas cada participação, por
mais ínfima que seja, é tão especial e tão carregada de significado que
não faz sentido falar mal. Não acredite se alguém disser que o filme é
só um desfile de mutantes, como muita gente falou sobre “X-Men 3: O
confronto final” (fãs da Psylocke choram). No novo filme, Logan,
Charles, Erik e Raven são os protagonistas e têm todo o tempo que
merecem na tela.
É mais que um filme de super-herói
“Vingadores” é tudo o que um filme de super-herói deve ser: comédia, ação, montagem dinâmica e personagens badass.
“X-Men” é mais que isso. A história do novo filme parte de um ponto já
complexo da saga: a separação praticamente irreconciliável de Charles e
Erik que acontece ao final de “Primeira classe”. Agora, os dois precisam
juntar forças contra um inimigo em comum. Ok, você já viu esse filme. A
premissa é parecida com algo que vimos em “X2″. Mas após mais de uma
década, os filmes da franquia conseguiram desenvolver mais aspectos
psicológicos dos protagonistas e dar a eles uma profundidade que
pouquíssimos filmes “de super-herói” conseguem. Não basta dar uma
biografia legal para um personagem. É preciso colocá-lo em situações
dramáticas que vão tirar o melhor e o pior de cada um e fazê-los tomar
decisões que, a princípio, você não imaginaria que eles pudessem tomar.
Tipo na vida real.
É uma viagem no tempo incrível
Fazer viagem no tempo no cinema não é para qualquer um. Onde houver
um personagem que volta ao passado para corrigir o futuro, haverá também
o cricrítico que revisa o roteiro mil vezes em busca de
mudanças na linha do tempo que não fazem sentido. O próprio cinema já
adiantou também que há boas chances de você ferrar ainda mais o presente
quando mexe com o passado, como em “Efeito borboleta”. Por causa disso,
a gente se acostumou a olhar torto para histórias que incluem esse
ingrediente na receita. Mas desde que J. J. Abrams usou o recurso de um
jeito fantástico em “Star Trek” (2009), voltou a ser possível olhar para
a viagem no tempo como uma ferramenta bem eficaz de roteiro. “X-Men:
Dias de um futuro esquecido” resiste muito bem às oportunidades de criar
furos na cronologia e, ao mesmo tempo, elimina para sempre qualquer
aresta não aparada nos últimos seis filmes da franquia.
Também é muito interessante o jeito como o filme se mistura à
história dos EUA e do mundo. Depois da introdução, que mostra um futuro
no qual os mutantes têm poucas esperanças contra a ameaça estatal dos
Sentinelas, somos jogados para a atmosfera bem familiar onde o final de
“Primeira classe” nos deixou. Posicionar a ação dos dois filmes na
aurora dos movimentos pelos direitos humanos e pela paz é uma sacada que
serve muito bem à história e que talvez passe batida. Colocar a questão
mutante na pauta política e incluir Richard Nixon na trama é uma
escolha corajosa que deu bem mais certo que a trama do Senador Kelly nos
dois primeiros filmes.
Ah, e tem o Tyrion!
É sobre a sua vida
Na semana passada, os atores Patrick Stewart e James McAvoy estiveram
em São Paulo para um encontro com jornalistas. Durante a entrevista
coletiva, o paralelo entre os problemas dos mutantes e as lutas de
grupos minoritários da vida real foi um tema inevitável. A discussão não
é inédita. Desde o primeiro filme, era possível comparar a opressão
sofrida pelos mutantes com a luta das vítimas de racismo, homofobia,
machismo ou até do holocausto (a comparação aqui é literal, já que
Magneto é um sobrevivente de campo de concentração nazista). Mas num
mundo em que abusos contra os direitos dos LGBT ou das mulheres causam
mais indignação do que há 10 anos, um filme sobre opressão e
intolerância feito para o grande público parece ter vindo na hora exata.
A semelhança com a vida real não é mera coincidência. Recentemente, a
atriz Ellen Page, a Kitty Pryde do filme, declarou abertamente sua
orientação sexual. E Ian McKellen, o Magneto, é ativista da causa gay há
um bom tempo. Questionados sobre a importância de falar sobre
tolerância num blockbuster, ambos os atores que interpretam Charles
Xavier em fases diferentes da vida disseram acreditar num futuro que
seja mais gentil com qualquer pessoa que esteja fora do “padrão”.
Um tema que permeia toda a saga dos X-Men é a escolha. Quando você
está numa posição vulnerável, geralmente há mais de um caminho a seguir.
A luta dos mutantes em nome do reconhecimento e contra a intolerância
é, como todo mundo sabe, polarizada pelo radicalismo de Magneto e pela
resistência construtiva do Professor X. (Fun fact: Se vivesse
num mundo intolerante como o do filme, Patrick Stewart disse que
certamente estaria do lado de Xavier. Já James McAvoy confessou que
simpatizaria com os métodos de Erik Lehnsherr.)
É o melhor X-Men de todos…
…mas não há o que eu escreva aqui que possa te convencer disso. É a
sua experiência, acima de tudo, que vai fazer com que você se
identifique ou não com as atitudes extremas de Erik, a superação de
Charles, a indignação de Raven ou a persistência de Logan. É o tempo que
você vai se dedicar comentando sobre o filme com seus amigos que vai te
ajudar a perceber aspectos que talvez você nem sonhasse. É a sua reação
às lutas coreografadas e aos sentinelas implacáveis que vai determinar o
efeito do filme sobre você. Serão as duas horas que você vai passar no
cinema que vão dizer se valeu a pena ter lido esse texto. Não importa
muito se você não leu os quadrinhos, se detesta os filmes do Wolverine
ou se tem preguiça da Jennifer Lawrence.
“X-Men: Dias de um futuro esquecido” é o tipo de filme em que o importante é assistir.
Ah. Tem cena depois dos créditos.
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