Projeto Sophia: desenhos de crianças que inspiram textos de adultos
Marina Cervini e Juvêncio Marins, da redação
Desenho feito por Sophia Cervini Lentini de 8 anos, sobrinha de Marina. A obra de arte inspirou o texto:
Desenho feito por Sophia Cervini Lentini de 8 anos, sobrinha de Marina. A obra de arte inspirou o texto:
Preces
ao Mar
De
Marina Cervini Lentini
A manhã nascia e rasgava
em vermelho e purpura o céu que tingia o calmo mar de lilás alaranjado, onde
ondas quase poéticas escreviam em imagem as lembranças das pescas noturnas.
Ela vagorosamente
levantou-se e arrastou o seu corpo, que já acordava cansado devido ao avançar
dos anos. Abriu as janelas da pequena casa de madeira à beira mar. Pintado de
cal, o casebre era mais um entre tantos outros da vila dos pescadores.
A Laranjeira exalava o
seu perfume que invadia a casinha, misturando-se com o aroma do café e do pão
assado. Logo, os meninos da vila chegariam para tomar café junto com ela, a
mulher mais velha daquele lugar. A avozinha como era chamada. Todos a
respeitavam e recorriam a ela quando precisavam de conselhos, chás e remédios
feitos com ervas antigas que ela trazia o conhecimento herdado de gerações
passadas.
A velha senhora colocou a
toalha quadriculada sobre a mesa e distribuiu as canecas de latão sobre ela. Os
pratos de cerâmica, já desgastados pelo tempo, e também os talhares simples e
envelhecidos. Tudo já estava quase pronto: café, pão, bolo, manteiga, leite,
frutas e bolachas. Não era muito, mas sabia que para aqueles meninos, que
chegariam mortos de fome, após uma noite inteira de pesca, seria mais do que o
suficiente para preencher as suas barrigas vazias e as bocas repletas de novas
histórias.
Após aprontar tudo, como
era de seu costume, abriu a porta da pequena casa e respirou fundo, sentindo o
aroma do mar a penetrar suas enrugadas narinas. Quando sentia o cheiro da água
salobre tinha a sensação de rejuvenescer anos e anos. Sentia que era possível
viver por toda eternidade.
Passo a passo caminhou em
direção ao mar e banhou os seus pés descalços naquela água, que para ela era
mais do que sagrada. Era fonte de vida, e lençóis que embalavam histórias
contadas às crianças antes de dormirem.
Fechou os olhos e sentiu
as ondas tocarem levemente os seus tornozelos. Colocou as mãos, já frágeis pela
idade, próximas ao seu coração e murmurou suas preces ao mar com a certeza de
que este a escutaria e responderia a pureza de suas intenções.
Ela pedia por todos
aqueles que navegavam que voltassem em paz, e para os outros, que não pudessem
por algum motivo retornar a terra firme, que a maresia acolhesse as suas almas
com ternura e compaixão.
Ela pedia bênçãos aos
enamorados que jogavam em palavras e beijos o ressoar do seu amor nas águas
infinitas do oceano. Pedia vida longa às mães para que pudessem ver os seus
filhos crescerem, e também vida longa aos filhos, para que pudessem bem cuidar
de suas mães em suas velhices.
Pedia que os pais
trouxessem a rede cheia de peixes, e que estes servissem de moeda de troca e
alimento fortalecedor para as vilas e aldeias da região.
Ela pedia pela natureza e
o seu revigorar. E, com muito carinho e lagrimas, pedia ao mar que esse
perdoasse a ignorância do ser humano e relevasse os seus erros.
E o mar parecia responder
a sua prece beijando-lhe os pés com sua espuma e trazendo conchinhas, que ela,
com muito carinho, recolhia, enquanto agradecia a generosidade do todo poderoso
pedaço do infinito oceano.
Enquanto os meninos não
chegavam, sentou-se em sua cadeira de velha madeira, tão velha quanto ela própria,
e ficou observando o dia raiar em poesia, que tocava com suavidade o seu
coração.
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