O Porco, o Milho e o Condicionamento


J. Marins é Escritor, Jornalista, Professor e Juiz Federal do Trabalho


Imagine um grande número de porcos selvagens. Agora, pense como são livres, como podem escolher onde viver, o que fazer e como fazer, com o que convivem, com todas as opções de ações e atitudes possíveis dentro do espectro gigantesco de possibilidades atribuídos aos seres vivos pela liberdade, que é muito mais do que uma abstração, e que precisa ser compreendida.

Imagine, então, que um homem pretenda capturá-los e domesticá-los. Esse humano arremessa um punhado de milho em uma clareira e espera à distância. Os porcos se aproximam, cheiram o ar, sentem o ambiente e, percebendo a inexistência do perigo, eis que se aventuram e comem gulosamente o milho.

No outro dia o homem torna a jogar milho no mesmo lugar, na mesma clareira, no mesmo horário. Os porcos aparecem e, como antes, verificam eventuais riscos e, em seguida, comem o milho.

Mais um dia passa, e o mesmo ritual. Uma semana transcorre, e tudo se repete. Um mês, dois meses, e tudo fica como antes. O homem, a mesma clareira, o milho e os porcos selvagens. No entanto, num dado momento, num dos lados da clareira, o homem põe um cercado. E, após isso, arremessa no mesmo lugar os sacos com milho. Pouco depois, os porcos surgem e passam a comer os cereais.

A cena se repete nos dias seguintes, até que o homem fecha outro lado da clareira. Mantém assim por uns dias, executando as mesmas atividades de antes. Ele e os porcos, que já vão cativamente à clareira em busca do alimento fácil. Duas semanas depois, o homem cerca um terceiro lado do lugar. Os porcos nem reparam, pois o milho permanece ali, cheiroso e apetitoso. Finalmente, o homem reduz o acesso à clareira, permitindo um pequeno túnel por onde os porcos passam diligentemente até alcançarem a clareira, comendo o milho e retornando para a floresta com os buchos cheios.

Enfim, num dado dia, com todos os porcos comendo animada e distraidamente os cereais no espaço dentro dos cercados na clareira; eis que o homem fecha o acesso e aguarda os porcos terminarem a refeição para avaliar suas reações.

Por óbvio, após terminarem com o milho, os porcos procuram a saída. Sem encontrá-la, debatem-se contra os cercados. O homem os deixa assim por um tempo. Depois, arremessa milho num dos cantos laterais da cerca. Parte dos porcos corre e come o milho. Outra parte mantém a busca pela saída. O homem os abandona e retorna no dia seguinte, jogando milho em outra lateral do cercado. As reações são parecidas com as da outra vez. E, assim também nos dias seguintes, embora as reações de rebeldia reduzam a intensidade paulatinamente.

O tempo passa. Os porcos procriam. Estão domesticados, adestrados, convencidos, condicionados. A clareira cercada agora é o mundo deles. Seus filhotes, que sequer conheceram um dia o gigantesco espaço livre onde seus avós viveram, acreditam  que nada mais existe além daquilo que, para eles, é uma muralha cercada de coisas duras, pontudas - que as vezes ferem, e um verde absolutamente desconhecido que, alguns do seu meio, anunciam como locais onde não devem ir. 

Os porcos sentem-se amparados por aqueles seres - os humanos, que os alimentam e, vez ou outra lhes aplicam injeções. Nem reparam na obesidade, nem ligam para as cercas e tampouco discutem entre si as razões delas existirem e estarem ali, com eles dentro, enquanto os homens, do lado de fora, caminham livremente. Os porcos são alimentados com milho farto e controlado, e dão em troca, quase que agradecidos por não lhes faltar alimento, suas carnes, suas vidas, para o abatedouro que o homem montou ao lado da clareira.

Reflita, olhe em volta, ilumine sua mente e pense, se possível.






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